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A peste  do  século XVIII em Vigia

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Sobre a epidemia de 1725, relatava o governador João da Maia da Gama, que na cidade de Belém a varíola disseminou-se com rapidez, alcançando até mesmo as fazendas de alguns moradores. O impacto do surto é descrito por José Borges Valério, ouvidor da Capitania do Pará, em carta ao rei, na qual relatava sobre a epidemia «ter levado nesta cidade [de Belém] muitos brancos, e mais de mil escravos, principalmente índios que são o instrumento necessário a todo o comércio e sustentação dos povos, sem o que não se pode subsistir».105

O surto dizimou grande parte da população indígena das cidades. Com isso, aumentou a demanda por trabalhadores, ainda mais durante os períodos de colheita das drogas do sertão. Essa necessidade aparecia, por exemplo, no pedido que o provincial carmelita fez ao governador do Estado, em 1726, em que indicava a intenção de seguir ao sertão e resgatar duzentos casais de índios para utilizá-los como escravos nos diversos conventos da ordem no Estado.106

Os surtos epidêmicos ocorridos durante a década de 1740 tiveram resultados similares. Em 1742, há um breve contágio de varíola, mas logo controlado pela introdução da vacina contra a doença. Porém, explode no ano de 1748 uma epidemia de sarampo, de acordo com o padre lisboeta Manuel Ferreira Leonardo, dizimando a população das cidades e do interior e tendo consequências drásticas sobre a economia local. Sobre isso, dizia Pe. Leonardo, em 1749 Nos mais mantimentos se experimentou o mesmo excesso de carestia, toda causada pela morte dos Índios, que estes são os que conduzem para a Cidade quanto nela se precisa. Eram as lágrimas dos moradores frequentes; porque alguns, a quem a ventura tinha debaixo do seu patrocínio, ficarão reduzidos a lamentável ruína; porque toda a riqueza da terra consiste na multidão dos escravos, e súditos.

Sobre a quantidade de mortos entre colonos e principalmente indígenas repassou as seguintes informações:

Dezejosos todos de saberem o número dos mortos, principiaram a extrair memórias dos Reverendos Parócos das duas Freguesias, a Sé, e o Rosário da Campina, e se soube chegava ao número de cinco mil pessoas, excetuando todos os escravos dos Conventos, da Vigia, Cametá, como também das fazendas dos Rios Guamá, Guacará, Moajú, Capim, e outros muitos. Passando das roças às missões, na da Gorupatuba, que é dos Religiosos Capuchos da Piedade,

faleceram seiscentas pessoas; na de Mariuá dos Religiosos do Carmo trezentas; e finalmente todas têm chegado ao último extremo; esta é a causa porque são poucas as canoas que vem a Cidade, porque lhes faltam remeiros. Tudo isto, com maior certeza, excede os números de quinze mil mortos; sem fazer lembrança dos Sertões, que como vivem incógnitos pela impenetrabilidade dos matos, parece impossível fazer-se específica memória.108

O padre concluiu dizendo que, ainda no ano de 1749, o efeito do surto fazia-se sentir, com a população de aldeados e trabalhadores reduzida, o comércio e o transporte de mantimentos e de drogas do sertão quase inexistente, além de uma grande carestia destes produtos, agravada pela perda de canoas que serviam ao transporte do mesmo.109

O número de mortos parecia devastador: 4.900, na cidade de Belém e aldeamentos próximos, segundo estimativas do novo governador do Estado e sucessor de Maia da Gama, Francisco Pedro Gorjão.110 Ainda segundo Gorjão, no interior da capitania, em Vigia, Cametá, Caeté e nos sertões do rio Negro não se podia estimar o número de mortos principalmente pelas distâncias que tanto impediam um avanço mais rápido do contágio, quanto dificultavam a troca de informações.111 Essa estimativa veio somente no ano seguinte. De acordo com relações feitas pelos superiores das ordens e congregações religiosas, o número de vítimas entre índios dos aldeamentos e nas cidades era de 18.377, apesar de esse ainda não ser o número total, conforme o governador.

Um dos aspectos mais notáveis da ação desses religiosos é sua participação no combate medicinal a essas doenças. A disseminação de hospitais e casas de cura pela região, como no caso de Vigia, desde o século XVII, ocorria principalmente por iniciativa dos missionários. Os conventos das ordens, localizados nas principais cidades das capitanias serviam para acolher os doentes. Aqueles que não possuíssem conventos construíam hospícios, que poderiam servir a estes mesmos propósitos, como era o caso dos Franciscanos de N. S. e do Carmo em Vigia e da Piedade em Belém. De forma similar funcionavam o hospício carmelita em Cametá e o antonino no Gurupá.

Os religiosos carmelitas, em especial, destacaram-se nesses casos por terem sido os primeiros a introduzir a inoculação no combate à varíola no Estado. Foi um carmelita o responsável pela introdução das medidas de tratamento contra os surtos epidêmicos ainda durante a década de 1720. Possivelmente essas medidas referiam-se à inoculação.

Apesar da ação religiosa no combate às doenças ser importante, é na cura das almas que ela se destaca. A preocupação com a salvação das almas tanto dos índios quanto dos moradores tornava-se tão urgente quanto a cura do corpo, diante do cenário tétrico e apocalíptico nascido das epidemias. Sua urgência aumentava à medida que o fantasma da peste retornava constantemente, assumindo a face de punições divinas aos moradores pelas violências cometidas aos trabalhadores indígenas ou aos missionários.

Essa representação mental aparecia constantemente nos relatos e testemunhos de época. Bettendorf, por exemplo, notou que a «peste das bexigas» era a punição com a qual  Deus castigava todo o Estado por terem os moradores expulsado os padres Missionários da Companhia de Jesus.

Fontes: 

104 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO [AHU], Conselho Ultramarino, Pará (Avulsos), Cx. 9, D. 757
(Carta do governador e capitão general do Estado do Maranhão João da Maia da Gama, para o rei D.
João V. Pará, 2 de setembro de 1725).
105 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO [AHU], Conselho Ultramarino, Pará (Avulsos), Cx 9, D. 768 (Carta
do ouvidor geral da capitania, José Borges Valério, para o rei D. João V. Belém do Pará, 8 de setembro de
1725).
106 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO [AHU], Conselho Ultramarino, Pará (Avulsos), Cx. 9, D. 855
(Carta do governador do Estado, João da Maia da Gama para o rei D. João V. Belém do Pará, 13 de
setembro de 1726).
107 BIBLIOTECA DA AJUDA [BA], Cód. 55-IV-37, D. 18 (Manuel Ferreira LEONARDO. Notícia Verdadeyra do
Terrível contágio que desde outubro de 1748, até o mês de maio de 1749 tem reduzido a notável
consternação todos os Certões, terras, e Cidade de Belém e Grão-Pará, extraída das mais fidedignas
memórias. Lisboa: Oficina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustíssima Rainha, N. S., 1749), p. 3.

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