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A origem das Vigilengas



Confira abaixo a origem das Vigilengas (como surgiram e as técnicas de construção) - Na mais completa pesquisa sobre vigilengas com o livro "VIGILENGA sua origem (uma obra portuguesa)" do maior conhecedor no assunto.

Ailson dos Santos Cardoso, mais conhecido como Ney, nasceu em Calçoene estado do Amapá em 1961, se mudou para a Vigia de Nazaré com idade de 4 meses junto com seus pais que mandou construir três embarcações vigilengas em Calçoene para transportar sua família e a mudança, a viagem até Vigia durou 12 dias enfrentando mar revolto e tempestades. A frota vigilenga era compostas de três pilotos e doze tripulantes e mais nove membros da família de Astrogildo Leal Cardoso.
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A importância da localização de Vigia para os planos de conquista dosportugueses está em sua posição geográfica, e da existência de uma grande viamarítima fluvial – o Rio Guajará-Mirim. Esse rio passou a ser uma estratégiafluvial aos militares portugueses que favorecia a comunicação via embarcaçõespor dentro do continente.No século XVIII, o Padre João Daniel registra em seu manuscrito de 1757a 1776, “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas” descreveu essa região,dizendo: (trancrito na íntegra em letra de formato manuscrito, para uma leituramais interessante).“O grande iguarapé da Vigia, a quem podíamoschamar rio capaz dos maiores navios. Principia estepouco acima do cabo da Tigioca por uma boca, em queentra o mar a formar este grande esteiro. Tem bem nomeio da boca um grande penhasco [...] servindo comoinexpugnável fortaleza aos inimigos se por aquela parteintentassem entrar. [...] Perto de sua foz, ou boca de norte,10tem para a parte de leste a vila da Vigia de Portuguesesem bela situação, gozando ainda da vista, e ventos domar, e de muita fartura de peixe, que o mesmo mar lhecomunica. [...]. Está vila da Vigia como cercada de água;porque pela gente tem o iguarapé com largura de léguas,como uma pequena baía”.O grande penhasco que o padre João Daniel cita, que fica no meio daboca da Vigia é a ilha de Colares. Assim os colonizadores portuguesestransformaram as terras dos Uruitás em posto de vigia como um dos guardiãesda capital e da costa norte do Pará.

Imagem de uma vigilenga nos rios de São Caetano de Odivelas em 1908.

Imagem da construção de uma canoa. Acervo: painel no museu das embarcações no mangaldas garças em Belém do Pará. Foto: Ailson Cardoso.
DAS CARAVELAS PORTUGUESAS Á CANOA VIGILENGA
Para entender a origem das vigilengas é preciso viajar no túnel do tempo desde o ciclo das grandes navegações ao descobrimento do Brasil até os dias em que as vigilengas surgiram e saíram do senário da pesca artesanal A iniciativa de Dom Henrique com a criação da chamada Escola de Sagres ajudou a aperfeiçoar o desenvolvimento das caravelas, tipo de embarcação mais apropriada para as grandes navegações, com sistema de velas que 13 aproveitassem as correntes marítimas e de vento, a caravela de velas latinas (Bueno, 1998, p. 70). O escrivão Pero Vaz de Caminha relata que, ao atracar em Santa Cruz, a esquadra de Cabral foi visitada por dois habitantes da terra, mancebos e de bons corpos, que se metiam em almadias, embarcações rústicas feitas de troncos de madeira atados entre si. A cena é o encontro entre duas civilizações separadas por um enorme abismo de evolução científica e tecnológica. Enquanto as almadias estão entre as mais primitivas formas de navegação usadas pelo ser humano, as naus e as caravelas portuguesas são o que de mais avançado a arte de navegar produziu até hoje. Esses navios levavam a bordo instrumentos, cartas de navegação e conhecimentos desenvolvidos pelos mais importantes sábios da cristandade, matemáticos, astrônomos, cartógrafos, geógrafos, carpinteiros navais, calafates e uso de artilharia, vindos de diversos países. As caravelas são um prodígio da nossa tecnologia e a vanguarda das expedições. São navios de madeira velozes e relativamente pequenos. Uma típica caravela portuguesa tem de 20 a 30 metros de comprimento, de 6 a 8 de largura, 50 toneladas de capacidade e é tripulada por quarenta ou cinquenta homens. Com vento a favor, chega a percorrer 250 quilômetros por dia. Utiliza as chamadas velas latinas, triangulares, erguidas em dois ou três mastros. Elas permitem mudar de curso rapidamente e, em ziguezague, velejar até mesmo com vento contrário. A grande vantagem das caravelas sobre os pesados navios mercantes utilizados no Mediterrâneo por genoveses e catalães é a versatilidade. Ideais para navegação costeira, podem entrar em rios e estuários, manobrar em águas baixas, contornar arrecifes e bancos de areia. E também zarpar rapidamente, no caso de um ataque imprevisto de nativos hostis.
Por necessidade náutica dos mestres dos mares com engenharia naval portuguesa, somando com a arte indígena em seus troncos escavados deslizando na lamina d’água amazônica, deu se início a um novo modelo de embarcação, que consiste na junção do ‘casco’ ou ubá indígena e tabuado lateral denominado de igarité com tolda e velame e com a evolução naval surge na cidade de Vigia as vigilengas aperfeiçoadas pelos portugueses com maior capacidade de carga e de navegação em rio e mar aberto com boa estabilidade e rapidez, construídas em série nos estaleiros de Vigia e comercializadas nos quatro cantos da província do Grão Pará, daí para diante outros lugares e municípios começaram a construir com adaptação aos interesses de uso. Essa possibilidade de construção naval deu-se graças as novas e desconhecidas ferramentas de carpintaria naval que os portugueses traziam em suas caravelas e naus para manutenção de suas frotas, como o formão, enxó, serrote, machado e outras ferramentas específicas para realizar calafeto, que foram empregadas nas construções das canoas vigilengas, bem como possibilitou a exploração de novas espécies de madeiras para braçames, cavernames, quilhas e taboados, explorando o conhecimento indígena. Como prova das evidencias de que os portugueses foram os criadores da canoa vigilenga, o manuscrito de 1757 a 1776 do padre João Daniel cita: “Sejam os primeiros os seus barcos que chamam canoas, que por serem feitas de um só pao, e por isso inteiriças servem não só de admiração a todos os europeus, mas também de grandes conveniências a seus barcos em cuja factura são os portugueses tão insignes, que metem enveja aos espanhões, que tem vizinhos em cima, e aos franceses de Caiana vezinhos na obra posto que todos eles as fazem também inteiriças, isto é de um só pao, ou de ûa só taboa, mas os portugueses lhes sabem dar um talho tão industrioso, que imitam os mais bem feitos bergantins e escalares; e podiam fazer barcos de 17 maior grandeza, se quisessem, porque para tudo tem paos proporcionados, como já dissemos.(...)” Pelas evidências históricas nos manuscritos do Padre joão Daniel do livro “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas” de 1757 a 1776, as vigilengas surgiram após o povoamento da vila de Vigia, os primeiros construtores e proprietários eram portugueses e os missionários jesuítas que dominavam toda a atividade econômica da Vigia na época. A atividade econômica pesqueira começou após o estabelecimento das famílias de Portugal na região. Pela necessidade da pesca de subsistência e comercial, gradativamente essa atividade foi crescendo chegando ao ponto do esforço de pesca em região mais distante, atingindo o estuário da foz do rio amazonas. Como o regime da época era a escravidão os pescadores nativos foram submetidos a esse regime desumano, comandados por portugueses.
MODO DE CONSTRUÇÃO DAS PRIMEIRAS VIGILENGAS
O erudito padre João Daniel, em seu importante manuscrito: Thesouro descoberto no rio máximo Amazonas, nos anos 1700, dá a seguinte curiosa notícia na parte quinta do seu manuscrito sobre a construção da canoa: “Primeiramente necessitão os moradores de muita gente quando querem mandar fazer algua canoa grande porque ellegem para isso hum grande madeiro, e de páo muito pesado, e duro e que para se poder menear, lavrar, 19 e conduzir ao estaleiro necessita de muita gente, de bons mestres, de officiaes practicos e bons operários, passeão estes pella matta medem os páos, fazem elleição de algum, poem-lhe o machado, e o seu córte nõ dá pouco, que fazer, aos obreiros; como cada hú pode considerar dos que sabem a dureza d’aquelles páos; com grossura v. g. de 30 palmos; deitado no chão lhe decotão as pernadas, e rama, e poem direito, e limpo como hum mastro de navio: depois entrar os mestres com suas medidas, e por ellas entrão os officiaes a bolear aquelle grande madeiro dando-lhe nas pontas o feitio, segundo querem que ao depois haja de ter a proa e poupa. Depois fazendo-lhe hu corte desde hua até a outra ponta da largura v. g. de 2 palmos, por este corte entrão com instrumentos próprios a escavar por dentro quantos operários podem caber, cuja obra leva bastante tempo; e para não escavarem mais que do necessário tem furado todo o madeiro com hum trado, em que tem a medida e grossura que há de ter o casco da canôa, dois dedos e meio v. g.; e não entra, nem fura mais o trado, com buracos de palmo em palmo de distancia uns dos outros; com essa medida escavacão os officiaes o páo por dentro até descobrirem os buracos, e fica aquelle grande cortiço todo buracado como hum crivo; depois então a limpallo e alisallo; depois lhe metem, e tapão todos estes buracos com tornos de páo: tudo isto fazem no mato onde cortarão, e como isto leva bastante tempo, e necessita de 20 bastante gente fazem antes de tudo algua choupana ou ramada onde se recolhem, e dormem: Resta ainda o mais trabalho, que he o conduzirem este grande casco, ou cortiço ao estaleiro, para o que he necessário cortar muito mato, e faze-lhe caminho em que vão rodando, ou suspenso em braços the a margem do rio mais vizinho; e nelle lançado o vão conduzindo thé o sitio do dono, e accomodão no estaleiro, nelle o suspendem no ar sobre tesouras de páo, levantado da terra cousa de 3 palmos; poe-lhe pelas bordas muitas tesouras de páus pezados encaixados nos bordos com rachas e direitas assima, e nas pontas de sima tem cordas, ou cipós pendurados abaixo: Depois lhe põem da parte de sima, e de dento no lombo do caco de poupa e proa hûa grossa camada de lodo: Logo sobre ele lhe põem bastante lenha bem seca desde uma até outra ponta; da parte de baixo, que hé a de fora, lhe põe tambem muita lenha, tudo com sua proporção conta a medida, e tem a parte e muita mais outra lenha, que hão de ir subministrando no tempo do fogo. Com este preparo rodeado de ofliciaes o casco, mandar o mestre lançar fogo á lenha assim da parte de sima como pela parte de baixo, e se vai por da parte da prôa bem no meio olhando direito para todo o casco, muito attento ,e prompto para mandar á via, e tanto mais ele atende ao casco, e ao fogo tanto mais os circumstantes atendem para ele prontos a obdecer-lhe a qualquer voz ,nuto ou aceno: Vai já o casco aquecendo ,abrandando ,e deixando cair para baixo ajudado do 21 calor do fogo, e do peso das thesouras os bordos ou abas; mas com o ordinariamente não decem com a igualdade necessária aqui manda o Mestre puxar pela corda par a baixo desta thesoura ,alli manda arredar o fogo ,porque he mais do necessário, ali manda accrescentar com mais lenha; acolá manda meter hü dente porque ameaça racha, e finalmente assim acodem todos aonde he necessário athe o casco já brando como cera se vai abrindo hüa taboa, de sorte que lhe poem espeques nos bordos para não se estender de todo; e tão bem para não tornar a fechar ,quando for esfriando ,lhe segurão da parte de sima espetos de páo, etc . Já neste tempo lhe andão tirando huns o fogo e tições; outros os carvões e brazas ,e outros, burrifando com agoa o mais carvão e cinza; e outros as thesouras dos bordos; e nesta postura deixão aquelle grande taboão aberto como meia casca de noz athe esfriar por alguns dias; despois dos quaes vai o Mestre e officiaes tirar-lhe o lodo e ver a obra; e se está bem obrada, e não rachada, fica mais contente do que hü cão com hum trãbolho; e entra atomar-lhe medidas por dentro, e segundo ellas despede officiaes, que vão buscar nas matas cavernas proporcionadas com gente suficiente para as carregar do mato e conduzir ao estaleiro, os que tão bè leva tempo, e muita gente; porque tão bè hão de ser de páo escolhido de muita dureza e firmeza. E com o ordinariamente nunca o casco sai tão igual que não tenha algum senão ou de tortura, ou de enchaço, ou de verruga, segundo as verrugas, enchaços, e torturas se lavrão as cavernas para sairem bem ajustada se unidas 22 ao casco; e como este he comprido v .g .de 70 ou 90 palmos, já se vê, que há de levar muitas cavernas; e como todas são de páo escolhido, e de muito peso, e por isso nccessitão de muito trabalho, e de muita gente; tão bê necessitão, e pedem muito tempo, ou algumas semanas; por q cada caverna he feita de hua arvore, ou da sua raiz de sorte, que são necessarias tantas arvores quantas cavernas; e como nem todas as arvores são geitosas levão tempo a buscar pellos mattos. Tão bê costumão para levantar mais os bordos da canoa, ou casco accrescentar-lhe os bordos com huns taboens da largura v.g. de dous palmos, e do mesmo, ou algua cousa mais de comprimento da canoa; e cada hua se faz tão bê de sua arvore; outros sobre estes tabooens, aque chamão falcas, ainda accresccntão outros tabooens do mesmo comprimento, mas mais estreitos, a que chamão talabardoens; e cada hü tão bê pede huma arvore inteyra e se lavrão ou desbastão a golpes do machado: não custão menos as Buchecas, e Conchas com que lhes fazem e afermoseão as Proas ao modo dos navios: em fim costumão chamar-se estas canoas inteyriças de hü só Páo; mas na verdade, constão de muitos páos e de muitas arvores; he bem verdade, que o casco principal, que aberto faz o feitio de meya casca de nos, ieinteiro; e d'hai vem o chamar-lhes as canoas inteyriças de hü só Páo. Esta he a substancia do laborioso trabalho destas canoas, que bem se vê necessitão para se fazerem de muitas arvores, de muito trabalho, de muito tempo, e de muita gente. O que suposto. ”
No capítulo ll, o padre João Daniel, faz várias críticas sobre a construção das canoas vigilengas da época, nem tudo era perfeito. O inconveniente da construção que envolve muita gente, emprego de mão de obra escrava, muita demora para construir, periculosidade na construção, desperdiço de madeira, na verdade não era canoa de um só pau como costumavam dizer, muitas arvores eram derrubadas e canoas má construída que as vezes se partiam durante a navegação e tinham duração no máximo dois anos. Na opinião dele, era mais conveniente comprar boa canoa do que mandar fazer e que os missionários que são os que com mais condições de mandar construir uma canoa. MUITOS INCONVENIENTES QUE TÊM ESTA PRAXE DAS CANOAS VIGILENGAS. Ainda que sejão admiraveis as canoas inteyriças do Amazonas, por q na verdade causa admiração ver hum casco de tal grandeza, que póde servir para hum navio inteyriço de hum só páo; contudo ponderadas bem as cousas, só tem muito de admiração, mas pouco de Conveniencia; porque que importa, ser de hum só páo o casco, se para se acabar necessita de muitos outros? que vale ser inteyriça, se a sua fabrica custa mais do que se constasse de partes? Pois a sua fabrica está cheya de 24 tantos perigos a riscos, que só se póde dar por segura depois de bem-acabada; emfim são muitos os seus inconvenientes; e para que melhor se ponderem, os quero apontar aqui para que a sua vista se veja a melhoria de hü novo methodo, que tão bem quero propor áquelles habitantes. O 1° inconveniente d'estas canoas é a precisão de muita gente, e muitos officiaes para se fazer; e como não ha tanta gente de servir como na Europa, se vêm precisados os moradores, que querem fazer canoas a comprar, e manter muitos escravos para a sua factura, como temos dito; he certo que postos os Barcos Communs, segundo a Providencia que temos dito, pouca necessidade tem já aquelles habitantes de Canoas próprias; porém querendo continuar a praxe antiga ; e ainda abraçando a nova economia, haverá muitos interessados na factura das embarcaçoens, se vem estes precisados a ter abundancia de Escravos, ou índios das Missoens para as poder construir; e sendo hum dos meus principaes intentos o persuadir o abandono dos escravos, de pouco serviria o escuzal-os nos mais serviços, se para o fabrico das canoas fosse necessários. 2.0 Inconveniente he o grande trabalho destas canoas ; pois excede sem comparação ao trabalho da fabrica ordinaria das embarcações da Europa; porq aquelle escavacar por dentro os madeyros a poder de golpes; aquella condução aos portos, e ao estaleyro; aquelle tão laborioso trabalho das falcas, talabardoens, dormentes, cavernas, Bochecas, e Conchas he grande trabalho, de muita gente, e de muito tempo, o que bem 25 considerado muitos moradores dizem, que ainda tendo gente de sobejo para estes serviços, vale mais comprar hûa canoa, do que mandalla fazer, e na verdade assim o fazem muitos, quando as achão de venda, ainda Missionários, que são os que com mais commodidade as podem mandar fazer. 3.0 Inconveniente he o tempo que leva o fabrico de semelhantes canoas; porque não se fazem menos de hum mez hûa semelhante canoa; e o mais ordinario é levar muito mais tempo. 4.0 Inconveniente são os grandes perigos, riscos e contingencias de semelhantes canoas; porque quando já tem cortado o maior trabalho que he o cortar, bolear e escavacar por dentro, e abrir com fogo, socede muitas vezes, quando se alimpáo do lodo que servio de cama ao fogo, achar-se o casco rachado de poupa a proa pello espinhaço, e totalmente perdido todo o casco, perdido o tempo, e perdido todo o trabalho de tantos ofíiciaes. Assim socede muitas vezes, e ca o observei hûa vez, em que vendo abrir hu casco famoso de grande, em cuja fabrica se occupavão para si ma de 20 ofíiciaes, e bons mestres, por fim de contas se descobrio o casco rachado de poupa a proa, de sorte, que nào servio mais do que para o fogo: pois o sairem com outros dezares dc rachas menores, de grandes buracos, de grandes, e feias torturas, de inchaços, etc. he mui ordinário. Vi em uma Missão construir hûas 10 canoas menores para vários serviços da mesma Missão; e nào obstante assistirem-lhes bons Mestres, e hû Branco vigilante, e hûa rachou de todo, e 26 se perdeu, e nenhûa das 9 sahio sè grandes buracos, e defeitos. E ainda q estes enchaços, defeitos, e buracos, se não são muito grandes, se remedeáo, sempre a obra fica mui defeituosa, e posto q seja nova, he obra arremendada, c ainda depois de acabada tem muitos e grandes perigos, como são o dar-lhe o bicho Turú na agua que senão ha grande cuidado em lhe dar crena de quando em quando lhe furão o espinhaço, e poem o casco como hu crivo. Vi hû grande canoào assim crivado e perdido sendo novo de hu só anno e hûa só viagem; nào servio mais que meter-lhe o machado para o fogo. Outras vezes alguns páos, ou areia em que topào, lhes metem para dentro algum torno, dos muitos que levão nos buracos, que assima dicemos lhes fazem antes de os escavacarem; e sem se advertir quasi de repente se enchem de agoa, e vào ao fundo: Outras vezes ficão suspensas em algû páo na baixa-mar, e se partem pello meio cahindo a poupa para hûa banda, e a proa para outra: E se lhe fica de baixo algûa aguda pedra, lhe mete hu tal rombo para dentro, q fica perdida. Emfim tè grandes perigos. 5. 0 Inconveniente he o necessitar de tantos páos hûa tal canoa; já eu disse, que falsamente se chamão Embarcaçoens de um só, porque na verdade necessitão de muitos, e grandes páos: estroese muita madeyra para fazer hûa só canoa; eu bem sei que este seria só por si fraco inconveniente no Amazonas, por abundar tanto nelle, e nas suas matas a madeyra; mas ainda que esta seja muita, e esteja a escolha, sempre custa a cortar, e a conduzir, e a serrar; de sorte que chamando-se 27 Embarcações de hu só páo inteiriças, necessitão de muitos mais páos, do que as Embarcaçoens ordinarias: hum páo para fazer o casco; outros dous páos para tirar as duas cavernas; outros dous para os dous talabardoens ; e todos esses sào páos grandes: 4 páos famozos para construir as duas bochecas, e as duas conchas da Proa: sem faliar nos muitos outros páos para dormentes, bancos, mastros, e mais requisitos. E por ventura sào estas embarcações mais fortes, e duráveis, que as ordinarias? antes muito mais fracas e consumptiveis: Vê se a sua fraqueza, em que posta em terra hûa destas grandes canoas, com hûa mào, com que se pegue na prôa se faz tremular toda de poupa e prôa; como se fosse de engonsos, ou se estivesse desconjuntada; como eu mesmo por vezes experimentei: pois a sua duração ainda prescindindo dos perigos, e contingências supra, ás vezes duráo hum só anno, e fazem hüa só viagem: outras duram dous; e ainda as mais duráveis nào durào muitos. Conheci Missionário, a quem apenas durou 2 annos hüa famoza canoa, não obstante, que era de Páo Angelim, que he o mais buscado para semelhantes obras; ou porque não reparào nas occasioens, em que o cortào; porque nem em todo o tempo é tempo de se cortar; ou porque nê todo o Angelim tem a mesma duração. Todos estes, e talvez muitos outros inconvenientes, têm as canoas do Amazonas, que bem ponderados, mais se pôde a sua praxe chamar abuso, do que uso; como dicemos do uso, e abuso da farinha de páo; porque ambas estas praxes abraçaráo ao principio, e forào 28 conservando os primeiros Europeos. Aprenderão dos índios este modo de canoas, porque virão que estes usaváo por embarcaçoens de grandes cascas de páos, do feitio de meia casca de noz, com algum anteparo nas pontas para não lhe entrar a agoa, e á sua imitação forào fazendo o mesmo dos troncos, não advertindo que os índios não usavào desta industria por eleição, mas só por necessidade, porque não tinhão, nem usavào instrumentos de ferro, com que podessem fazer melhor obra ; e se alguns usavào de mais sólidas embarcaçoens as abriào, ou escavacavào por dentro com fogo, e não com ferro; Suppostos pois todos estes inconvenientes, exporei agora o meu parecer, que me parece será mais acceito por mais acompanhado de conveniências

As embarcações dos particulares, eram pintadas com tintas extraídas devegetais, o Cori, o anil, o leite do cumá da masaranduba e do cumaty e deminerais tabatinga eTauá. Mais tarde foi subestituida por tinta a base de óleo decopaíba, de andiroba, linhaça e outros que eram misturadas com as tintas devegetais. As tintas e vernizes a base de óleos vegetais, foram inventadas pelosmissionários portugueses, segundo o manuscrito do padre João Daniel.
Após os inconvenientes na construção das primeiras vigilengas, os portugueses criaram a vigilenga mais moderna, utilizaram ferramentas próprias para a construção naval vinda de Portugal. Introduziram uma peça bastante pesada e resistente responsável pela estabilidade da embarcação denominada 31 de “quilha” onde era fixada o cavername e braçames. As ferragens (atracadeiras, parafusos, etc.) começaram a ser utilizadas nas embarcações, ferragens essas construídas de forma artesanal nas ferrarias, no lugar dos pinos de madeira, a introdução dos pregos, tintas a óleo começaram a colorir as embarcações, mas a sua forma original foi respeitada. As vigilengas são de forma losangular, bojuda, de boca aberta destinada para a pesca costeira, isto é, sem convés e com bancadas e de convés fechado para o transporte de mercadorias, normalmente possuem uma pequena cobertura de madeira denominada de toldo revestido com material tecidos com folhas de palmeiras, pele de animais e com o passar do tempo e novos materiais como manta de betume. Dotada de um ou dois mastros, mastaréu, bita, gurupé, quilha, contraquilha, gaviete, cadastre, espias, ferragens de atracação, vela latina de quatros lados e bujarrona. (Caso fosse de dois mastros recebia a segunda vela denominada de ‘traquete’), mas as primeiras vigilengas eram bastante rústicas, como veremos mais adiante. a proa e a popa de espelho, isto é, tábuas colocadas em seções transversais de ordem crescente formando um triangulo; de rodelas com acabamento artístico de proa, o nome das embarcações tinha algo a ver com religiosidade, natureza ou nome familiar, as vezes nomes românticos e patrióticos, as iniciais do nome do proprietário eram desenhadas na portinhola dianteira do toldo, na portinhola traseira pintada uma imagem do santo ou santa de devoção, velas latinas modificadas para quadrangular, quando içada parecia triangular, com a “carangueja” (semelhante as pinças do caranguejo) inferior e superior com diferentes detalhes de acordo com a sua função; e o velame tingido com corantes naturais da casca do mangue vermelho, muruci do mato, casca da mamorana e da andirobeira (esses dois últimos vegetais oferecia mais resistência a vela), esmagado, fervido para extrair o corante, as velas passavam alguns dias de molho para tingimento, essa tintura natural evitava o mofo causado pelos intempéries, consequentemente aumentar a resistência e durabilidade. Outras características marcantes era o mastro um pouco inclinado para trás, passando pelo “taboão” do convés a frente da testeira, fixado na “carlinga” sobre a quilha. As vergas (dois suportes de madeira para atar a vela) prolongadas além da popa, elas descansam suspensas nas espias, quando a 32 vela está arriada, serviam de apoio para a “sombra”, um tipo de tenda de pano, que cobre a parte central da embarcação, servindo de abrigo do sol e da chuva para a tripulação quando estavam ancoradas nos rios ou durante as “linhadas”, na pesagem do peixe ou durante a comercialização de produtos da Amazônia. Ainda outro detalhe; além da vela grande, arma-se uma pequena de proa denominada de bijarrona ou bujarrona que é retrátil através de argolas de metal e presa no “gurupé”.
HISTÓRIA DAS VIGILENGAS NA NAVEGAÇÃO DA AMAZÔNIA
A Amazônia é naturalmente um polo de desenvolvimento do transporte fluvial e marítimo. A natureza abre-se para a navegação: a economia de subsistência não estimulou o desenvolvimento de outras redes de transporte. Entretanto era preciso um modelo de embarcação que atendesse a fluidez marítima e fluvial com rapidez e eficiência, aí surgiu a canoa VIGILENGA, o “carro popular” o “caminhão marítimo” de transporte de acordo com o tipo de mercadorias, ou melhor, a canoa popular da época, acessível aos interessados; a poupança ambiental de madeira era abundante, fabricação artesanal em série e com modelos para cada forma de uso, pescaria do norte, pescaria na costa marajoara, pescaria de rio, transporte de passageiros, gados, mercadorias, com 38 um ou dois matros, enfim, transportadora de produtos da Amazônia ou drogas do sertão. A borracha gerou um crescimento econômico jamais visto. Em 1902, a borracha enriquecia Belém e Manaus, seus portos se aparelhavam para a exportação, muitas embarcações singravam os rios trazendo os produtos dos seringais nativos, logico em canoas vigilengas. Em 1912 a borracha atingia 40 por cento da exportação brasileira. Então, as vigilengas, os batelões regatões, embarcações rústicas de dois mastros, construídas na Vigia e outros lugares, destinadas para o transporte de carga, que levavam gado do Marajó para Belém pólvora e sal, e traziam borracha, peles, ervas, madeira e frutas da floresta; muitos desses produtos eram exportados para a Europa.
“As vigilengas desempenham, portanto, na região, o mesmo papel que desempenharam as tropas de burros no Brasil Meridional”.
Antono Rocha Penteado.1945.
“ As vigilengas eram tão importantes para a amazônia como o camelo é para o deserto. ”
Ailson dos Santos Cardoso (Ney).2010
Fontes:
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Confiram abaixo o vídeo sobre a origem das Vigilengas e sua importância para o Brasil.
Vídeo propduzido por Ailson dos Santos Cardoso